Ladeiras do Inferno
de: Helder Fortes
Sinopse
Numa pequena viagem feita ao interior da ilha de Santiago, Cantai conhece a menina Pinha, uma rapariga entregue aos trabalhos da roça no meio de campos dourados, cercados de montes amarelados e secos. Ele fica pasmo com a entrega e a determinação da jovem moça de pés rudes e calosos de mãos presas à enxada, esgravatando o seu pão sem nenhuma timidez, no meio da aridez.
Entretanto, Cantai é obrigado a emigrar e deixa a Pinha no meio daquele vazio. Desembarca em terra longe, onde no seu imaginário era uma terra de gente boa, e passa por severas provas da vida sentindo-se uma criatura deprimida e abandonada à mercê das peripécias desta bendita vida. Na cidade cosmopolita de Lisboa, ele vive momentos de nojo, angústia, decepção e nas margens solitárias do rio Tejo, descarrega as lágrimas de saudades das ilhas fantásticas.
Cansado desta cidade que caracteriza como infernal, xenófoba e de capitalismo delinquente, decide aventurar-se a bordo de um a vapor com destino a África cuja missão era a de prestar ajuda humanitária aos países Africanos em guerra. Desembarca na Serra Leoa, no meio de uma violenta guerra doentia pelos diamantes e torrentes de sangue de inocentes. À conversa com um colega, fica a saber que a verdadeira missão do vapor, no qual ele trabalha, não era a distribuição de ajuda humanitária, mas sim, o tráfico de armas. Esta descoberta fá-lo sentir deslocado, sem chão e ansioso por abandonar o barco. E assim deixa Serra Leoa passando vários dias navegando no alto mar até avistar a bela Baía e de lá fita a Maria Pia de vestido branco encardido, aspecto abatido e com aquele olhar pálido. Atraca o barco, recorda que foi nesse mesmo lugar que havia embarcado atrás de uma ilusão que é a emigração e lembra de ter abraçado este destino como um verdadeiro clandestino. Desce e sem perder tempo, parte em direcção ao interior da ilha para o tão esperado reencontro, e em passos lentos aproxima-se da sua amada, ela permanece estática à espera do calor dos seus braços, ele continua a aproximar-se até alcança-la e num gesto de carinho, de sentimento, e em silêncio envolve-a nos seus longos braços.
Regressa a cidade da Praia e começa a árdua luta para conseguir um pedesin txon, construir a sua covinha em vida e levar a sua Pinha. Decide rabiscar uma simples cartinha de um pedido de um lote de terreno. Tendo-lhe sido negado o tal pedesin txon e querendo cumprir as promessas feitas à Pinha de uma vida digna e longe dos trabalhos rigorosos do campo, cai na armadilha da vida e aceita transportar droga que o arrasta para a prisão por uma longa temporada e lá fica sem as notícias da Pinha.
Sai da cadeia, ainda com a ideia fixa de ir buscar a Pinha, bota as mãos à clandestinidade e dá à cidade da Praia mais umas pinceladas cinzentas, quando na ladeira infernal constrói, finalmente, a sua barraca. E ele não se sente mal, pois o cinzento está espalhado por toda a cidade.
E assim regressa ao campo ao encontro da sua Pinha, no rosto dela duas covinhas se formam, larga a enxada no meio do campo dourado e com os seus pés descalços corre pelo meio dessa txada, pisa os espinhos que a deixam com os pezinhos magoados e vai cair eternamente nos braços do seu Cantai, para juntos se migrarem rumo à clandestinidade nas ladeiras do Inferno.